VGM ainda está longe da realidade
Confira as preocupações do embarcador quanto ao novo método de pesagem de contêineres exigido pela SOLAS
Cleci Leão
Embora a exigência da convenção de segurança marítima SOLAS (Safety of Life at Sea), em vigor desde 01 de julho, de que todos os contêineres estufados devem informar a sua massa bruta verificada (VGM) antes do carregamento no navio, pareça bastante razoável e realista, os players da cadeia de comércio exterior com embarques em contêineres têm chegado à conclusão de que o atendimento às novas normas vai depender de uma forte reestruturação de seus procedimentos internos.
A alteração estabelece que o embarcador deve fornecer a VGM do contêiner ao transportador, juntamente com os documentos de transporte, antes de seu embarque no navio. Na hipótese de tal informação não ser fornecida e a massa bruta da unidade não ser verificada, o respectivo contêiner não deverá ser embarcado no navio.
Em entrevista ao Journal of Commerce, um embarcador global mostrou o grande esforço requerido para aferir e registrar com precisão o VGM (Massa Bruta Verificada, na sigla do inglês Verified Gross Mass antes da transmissão da informação aos terminais e companhias de navegação.
“É necessário envolver uma série de departamentos, desde o design da marca até as indústrias de embalagem, compras, despacho e logística, de maneira que qualquer profissional de uma grande organização sabe o quanto a discussão sobre implementação de um novo procedimento pode levar tempo e dedicação”, disse o empresário ao JOC.
Como solução, o embarcador global planeja de instaurar procedimentos padrão sobre a pesagem de cargas, extensíveis a todos os produtos feitos pela empresa, sejam eles in-house ou terceirizados.
No Brasil, a declaração de peso já é uma obrigação no transporte de contêineres (ex.: a declaração de peso bruto da mercadoria transportada no conhecimento de embarque). A lei brasileira, inclusive, assegura o direito do transportador em ser indenizado na hipótese de informações imprecisas acerca da mercadoria entregue para transporte (artigo 745, do Código Civil).
Porém, muitas vezes os contêineres são embarcados com informações equivocadas e com sobrepeso, o que contribui para a ocorrência de vários acidentes no mundo todo: o navio traça seu itinerário e procedimentos com base no peso declarado nos conhecimentos de carga, no entanto muitas vezes está navegando com pesos que podem chegar a 20 ou 30% a mais.
Acontece que, quando se prepara um carregamento, a dimensão e o peso dos produtos são informações colhidas diretamente do sistema do embarcador, e serão utilizadas para o plano de carregamento dos contêineres. Caso os produtos, individualmente, não demonstrem o seu peso na embalagem, o que acontece com bastante frequência, o peso utilizado é o identificado na caixa maior que leva os lotes dos produtos, e é essa a informação que vai ser utilizada no planejamento do curso do navio.
Produtos terceirizados são um problema ainda maior para o embarcador, uma vez que os fornecedores são geralmente fabricantes independentes. Para garantir que que os fornecedores informem corretamente o peso, de acordo com as regras de VGM, o embarcador contou ao JOC que vai determinar uma série de procedimentos a seguir, tais como a exigência de um plano de carregamento para cada um dos embarques, no qual o VGM já venha informado.
O que preocupa o embarcador, entretanto, é a natureza inegociável das novas exigências, principalmente quando o lote envolve produtos de terceiros. O atendimento às exigências do embarcador deverá ser uma condição primordial para fornecedores terceirizados desde a contratação, disse ele.
Outras questões a serem consideradas na implantação de padrões operacionais envolvem o peso declarado dos produtos, que geralmente vem impresso nas embalagens, mas pode ser impreciso, seja por mudanças na especificação ou no design, seja por uso de materiais diferentes na convecção do produto ou da própria embalagem.
Revisar a comunicação interna nas empresas pode ser uma solução, porém, mesmo quando todos os processos internos estão alinhados, este ainda é somente o primeiro passo. Uma vez aferida a VGM, a informação precisa ser transmitida do embarcador, ou seu terceiro (geralmente um transitário), ao terminal e à empresa transportadora.
A maneira de se enviar esses dados é algo que também vem sendo cuidadosamente estudado e, considerando os volumes de contêineres envolvidos, a conclusão mais óbvia é que o envio deva ser realizado eletronicamente.
De acordo com Michelle Cummings, sócia da GT Nexus, depois de encontrar uma forma de melhor localizar e reunir os dados corretos, o desafio para o embarcador passa ser como enviar os dados, além da documentação de carga já originalmente requerida.
“Diversos embarcadores e companhias de navegação ainda não estão prontos para a certificação, ou seja: eles não possuem as funcionalidades ou os procedimentos prontos para atender às normas”, disse Cummings.
A plataforma global de navegação Inttra estima que hoje ainda se usa a documentação manual para metade dos cerca de 300.000 contêineres estufados que se movimenta diariamente no mundo todo. Caso a VGM não chegue às mãos do terminal marítimo a tempo para ser usada para o planejamento de acondicionamento da carga, o resultado extremo pode ser o impedimento de viagens em escala global.
Inna Kuznetsova, presidente da Inttra Marketplace Work, afirma que a plataforma está trabalhando para desenvolver um formulário digital que vai permitir que embarcadores, NVOCCs e agentes de carga enviem as informações cruciais para atender às exigências de pesagem com pelo menos três dias de antecedência da chegada da carga. O transportador precisa obter a VGM antes de planejar o acondicionamento, de modo a ter ferramentas confiáveis para determinar como vai empilhar os contêineres sem gerar desequilíbrio no navio.
“Tendo em vista que um único armador consegue transporter 50.000 ou mais contêineres de um porto grande a cada mês, o atendimento às normas da VGM não está realista”, disse Kuznetsova ao JOC. A VGM exige a assinatura do embarcador ou do transitário cujo nome está mencionado no B/L, de modo que simplesmente fazer uma ligação telefônica não será suficiente.
Cummings acredita que o envio do peso do container por vias eletrônicas abriria uma porta para pensar o procedimento como um todo, usando a tecnologia para esse fim. Embora, no seu entender, a relação entre transportadores e embarcadores não possa ser exatamente considerada como “aberta e colaborativa” seria uma forma de manter os dois lados melhor alinhados, não apenas em prol da regularização da VGM, mas para transações diárias. “O poder real [da interface digital] vai além dos benefícios pontuais: a essência da transparência e da colaboração impacta diretamente no relacionamento entre os dois players, sendo uma vantagem estratégica que pode se estender para o futuro, com alcance para além das exigências do IMO”, afirmou a executiva do GT Nexus.
No início do ano, o Guia Marítimo esclareceu as preocupações do embarcador quanto às novas normas. Acompanhe.
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